'MATADOR' me sussurra ferozmente que teatro, por ser concreto, é feito primordialmente com o corpo, com ossos, carne, sangue e músculos – além, é claro, de paixão – e por ser ao fim da noite uma abstração, é feito, essencialmente, de gente, já que gente é feito de suas humanidades.

Ainda que se pareça com um paradoxo, algo feito de trabalho braçal e suor resulta em algo abstrato – e permanece. Mas é nisso que teatro é inexplicável: é físico, mecânico, e puramente, profundamente humano, e depende de humanidade para existir. Depende de esforço e dedicação, depende de lembrança, de capacidade de afeto, de desejo, de entrega. Apenas o que não é absolutamente humano prescinde disso. Daí a delicada loucura: não há nada mais definitivo do que as coisas que nos marcam o espírito.

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Assim fizemos ‘MATADOR’: com trabalho árduo, com esforço genuíno, com entrega, dedicação e admiração. Fizemos com nossa mente, nossas almas e corações, mas também com nossos olhos, nossos ouvidos, nossos braços e pernas. É sólido. Permanecerá em nós. Que permaneça também em vocês.

Agradeço especialmente a Daniel pela parceria, pela vontade, pela coragem e cumplicidade, e a Herson e Susana pela generosidade e comprometimento – já que talento não se agradece, acho. A Danilo, Suely, Priscila, Ricco, Toninho, Gamba, Miguel, Cláudio, Karlla, Paulo, Marcelo, Francisco e Bob por empenharem seus corpos, corações e mentes na composição dessa doce e sincera construção teatral.

Agradeço a Duca, Tânia, Edu, Leo e Ka, sempre, por terem me dado vida e sentido. E agradeço a Juliana, por tudo. Amor – sem você nada seria possível.

Gustavo Falcão

Foi numa dessas livrarias de usados, que, há alguns anos, encontrei o premiado texto de Rodolfo Santana – “Mirando al Tendido”, no original. Desde a primeira leitura, fiquei encantado com a história desses dois personagens, que acreditaram durante toda a vida em uma arte que já não existe, que se veem confrontados de maneira única, definitiva e fatal e, aos poucos, descobrem-se perdidos entre jogos e trapaças para os quais não estavam preparados. A vitória, aqui, é apenas uma questão de ponto de vista. A tauromaquia não passa de um pano de fundo de cores dramáticas para tocar em temas profundos e pertinentes.

Tudo isso me remetia às lutas e às incertezas que enfrentamos diariamente para concretizar nossos sonhos no palco (e também fora dele). “Por que continuar com isso?”, pergunta Florentino. “O show não pode parar!”, responde El Niño, como dois heróis trágicos que insistem em “ir até o fim, até a última gota de coragem!” Hoje, ao presenciar este sonho se realizando e olhar essa excepcional equipe que reunimos em torno deste espetáculo, com o imprescindível patrocínio da CHESF, aquela teimosa fé no poder da arte e no teatro se renova.

Gracias, Rodolfo. Obrigado Herson e Susana pelo carinho e por acreditar em nós. Obrigado, Gustavo Falcão e Juliana Féres – sócios e amigos queridos. Obrigado a cada um de vocês, que fez dessa equipe, um encontro mais do que especial.

Dedico esse espetáculo à minha família e, em especial, à minha mãe, Belita e ao meu pai, Nivaldo. Pai, sua voz e seu sorriso estiveram presentes em muitos momentos desse processo. Essa peça é o beijo de despedida, que não pude lhe dar.

Daniel Dias da Silva

“Matador” é um texto muito difícil de encenar. O seu universo é muito distante da nossa realidade, nós não conhecemos a tauromaquia. Mas, ao mesmo tempo, tudo nele é tão interessante e instigante que as suas abordagens se tornam universais. É um texto que fala de todos os homens de qualquer país. Fala de ética, num mundo que admite tantos abismos econômicos e sociais, preconceitos de todos os tipos, miséria humana e violência. As regras da tauromaquia simbolizam as regras da sociedade, injusta e cruel.

Foi muito prazeroso entrar em contato com esse autor venezuelano que era, até agora, inédito para nós. Um autor que tem dezenas de peças escritas e encenadas no seu país de origem e em vários outros países. Foi um exercício fantástico de criatividade montar esse espetáculo num ambiente sem recursos cênicos já que a arena é um palco vazio.

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Por outro lado, dificuldades à parte, nós tivemos a alegria de um encontro com dois atores talentosos, atentos, concentrados, empenhados e criativos. Dani e Gustavo, apesar de jovens, são homens de teatro experientes. Eles têm a perfeita noção de que teatro só se faz com muito esforço e dedicação. São trabalhadores do drama, batalhadores da comédia, escravos da dramaturgia. E o melhor é que cada encontro para os ensaios parecia uma festa de tanto bom humor e boa vontade da parte deles. É gostoso trabalhar com quem está de bem com a vida e consigo mesmo.

Dani e Gustavo, além de atores, são também os produtores do “Matador” e escolheram uma equipe artística fantástica, de alto nível. Tivemos o apoio do Ricco, na trilha sonora, rápido, inteligente e criativo. Do Cláudio, no cenário, que chegou cheio de contribuições bacanas. E do Marcelo, nos figurinos, que veio despejar elegância na encenação, do Paulinho, na iluminação, trazendo a sua assinatura tão premiada, do Gamba e do Miguel na programação visual genial, da Karlla que fabricou tão bem os nossos adereços, e da nossa querida Sueli, tão eficiente na preparação corporal.

Os atores são excelentes, a equipe é maravilhosa e o texto diz a que veio. É isso. Uma boa tourada para vocês!

Susana e Herson

“Quantas peças venezuelanas sobre touros e toureiros, encenadas em uma belíssima ruína do topo do rio, você assistiu esse ano? excepcional trabalho de corpo dos atores. quase uma dança. e não é toda tourada uma coreografia? uma peça física. suor salpicado. meias rosas. cabelos compridos. fitas vermelhas que desabam, espicham sangue. o touro, tão humano, fala em nome de todos que já foram vítimas do bel-prazer dos mais fortes. o toureiro, tão humano, faz o serviço sujo mas é também vítima do sistema que não lhe beneficia. o diálogo entre touro e toureiro poderia ser també, entre policial militar e traficante capturado, entre o vencedor e o perdedor de uma luta de mma. e, no fim, qual esposa de ator ou mãe de dramaturgo nunca desejou uma vida pacata plantando melões? e quem não quer ir para seu próprio prado azul?”

Alex Castro - Caderno de Teatro, 13 de janeiro

"Decidida a finalmente assistir ao Matador, não quis esperar por uma carona e parti rumo a Santa Teresa por minha própria conta e risco. (...) Matador se passa no interior de uma sala teatral aconchegante e podemos assistir ao instigante texto do venezuelano Rodolfo Santana, dirigido por Suzana Garcia e Herson Capri. Em cena, diante do público que lota a arena, Matador (Daniel Dias da Silva) e Touro (Gustavo Falcão) se enfrentam numa espécie de dança de vida e/ou morte. Cada um deles com suas crenças, heranças, tradições e verdades. Um dos textos do programa pergunta "o que são as touradas? Arte, tradição, cultura ou barbarie?" Ainda que não fosse taurina, e legítima, a resposta para mim viria fácil. Não posso conceber um espetáculo onde animais são torturados e mortos. Mas ver esse embate entre homem e fera no teatro (onde o suor, o medo, o sangue, a morte são exercício ficcional); conhecer suas razões e a própria história da tauromaquia tem o seu fascínio. Os atores defendem muito bem seus personagens, mas desconfio que o autor seja taurino como eu. O personagem de Gustavo Falcão - e seu desempenho - são de prender o fôlego. Usando as próprias palavras do ator (que expõe no programa sua visão do fazer teatral), "corpo, ossos, carne, sangue, músculos e paixão (...) Esforço, dedicação, lembrança, capacidade de afeto, desejo, entrega (...) É sólido. Permanecerá em nós. Que permaneça também em vocês."

Fátima Valença (Jornalista, Dramaturga e Roteirista)